TIRANDO O VÉU DO PRECONCEITO: A visão estereotipada do Ocidente sobre as mulheres muçulmanas


Nenhum tema é tão controverso quanto a questão das mulheres na história da humanidade, sobretudo a da mulher muçulmana. No imaginário popular, elas oscilam entre dois opostos: são belas e sensuais, como nas Mil e Uma Noites, ou são oprimidas e submissas, escondidas sob véus, como surgem no noticiário da TV.


Entre os dois extremos, estão mulheres comuns e reais: mães, esposas, filhas que trabalham e estudam, ocupam espaços na política e nas artes, são economicamente ativas. Se para o escritor paquistanês Tariq Ali não existe um mundo muçulmano monolítico, o mesmo se aplica aqui: a mulher muçulmana é plural, reflete suas condições e posições de acordo com vários fatores, como situação social e país de origem, vivendo os dilemas modernos entre a liberdade e a opressão, o preconceito, a discriminação e o estereótipo. Este tem dupla origem: é a imagem criada pelo Ocidente numa longa tradição do contato entre culturas diferentes, como também decorre da propagação dessa imagem por grupos extremistas radicais, como no Afeganistão, e de governos autocráticos, como o do Irã.


Questões como vestimentas (xador, burca), violência doméstica, apartheid de gênero, mutilação genital, infanticídio e apedrejamento tornaram-se tão prementes no debate sobre as muçulmanas que colocaram a condição feminina no Islã como subalterna. E, na perspectiva ocidental, são cidadãs de segunda classe. Mas os problemas da mulher se repetem em todos os países, islâmicos ou não. As causas estão sobretudo ligadas às condições socioeconômicas e de acesso à educação. Independentemente do credo, as mulheres sempre lutaram para garantir seus direitos. Discriminação e preconceito existem em todas as culturas e tradições religiosas, ainda que devam ser analisadas muito mais como má interpretação dos preceitos de cada crença.


O Ocidente enxerga o Islã como uma fonte de violência e fanatismo e, assim, vincula a opressão contra a muçulmana à sua fé. Supostos eruditos da religião e da interpretação do Alcorão e da Sunna reforçam essa perspectiva ao incentivar costumes errôneos e leis injustas, muitas vezes, negando direitos e condições garantidos ao sexo feminino pelos mesmos textos sagrados. A situação da mulher no Islã é interpretada por certas correntes, em regiões distintas, para justificar a sua posição inferior determinada por governos autoritários.


Muitas vezes, essa tem sido no Ocidente a única faceta para tratar das muçulmanas. O que se verifica aí é a necessidade da civilização ocidental de reafirmar sua superioridade sobre o resto do mundo e justificar a dominação ideológica ou de fato, como afirmou o escritor Edward Said, em Orientalismo: o Oriente como Invenção do Ocidente. Para o intelectual e ativista, palestino e cristão, desde fins do século 17 até hoje, forja-se uma imagem do Oriente e do oriental como o "outro", o diferente, o oposto ao ocidental. Essa visão, em especial sobre os islâmicos, se construiu nas artes, na política, na mídia e em outras formas com atributos como excêntrico, sensual, passivo, atrasado, cruel, decadente, ignorante, preguiçoso, violento. As muçulmanas aparecem como domináveis, submissas e exóticas, desconsideradas as diferenças nacionais e culturais. Já a mulher ocidental é caracterizada como "independente", "dona do seu corpo", que goza de plenos direitos civis. Ainda que seja a leitura que o Ocidente faz de si mesmo, ela não representa a realidade da grande maioria das mulheres, submetidas a graves problemas sociais e inferiorizadas em relação aos homens em várias situações, como profissionais e econômicas. É importante lembrar que, historicamente, muitos dos direitos conquistados por meio de lutas e manifestações pelas mulheres ocidentais em tempos recentes foram garantidos nos primórdios do Islã às muçulmanas, como votar, divorciar-se, herdar e gerir suas economias, escolher marido, decidir sobre o uso do véu, estudar e trabalhar. No lugar de seguir estigmatizando o Islã e os muçulmanos, reforçando preconceitos e anulando a diversidade cultural, o Ocidente deveria repensar a si mesmo e suas concepções sobre o status da mulher em suas próprias nações.


*Samira Adel Osman é muçulmana e professora de História da Ásia da Unifesp

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