AS MINORIAS SÃO AS VÍTIMAS DA NECROPOLÍTICA DA SOCIEDADE BRASILEIRA



No dia 20 de setembro de 2019, a menina Ágatha Félix, de apenas oito anos de idade, foi morta em uma operação policial no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Foi a quinta criança a morrer dessa forma (em operação policial), neste ano, no Rio de Janeiro, somando 57 crianças desde o ano de 2007. No mesmo mês, um vídeo circulou amplamente nas redes sociais com imagens de tortura de um adolescente de 17 anos que vivia em situação de rua, aplicadas por seguranças de um supermercado na cidade de São Paulo. Em fevereiro de 2019, no Rio de Janeiro, um garoto de 19 anos foi imobilizado e sufocado por um segurança de supermercado até a morte por parada cardíaca. Em meados de 2018, Sheila, travesti negra e pobre, foi assassinada a pedradas na cidade de Buriticupu, a 450 km de São Luís, crime que ate hoje ainda não se tem noticia se a policia, o ministério publico ou qualquer outro órgão do estado tem feito algo para apurar qualquer situação.

Eventos como esse, protagonizados por seguranças de estabelecimentos comerciais no país, lamentavelmente não são raros e vão ao encontro de dados de violência que anunciam a história brasileira como um permanente estado de exceção, uma rotina de barbárie. Com efeito, em seu mais recente livro, a historiadora Lilia Schwarcz (2019) revela que, entre 2011 e 2015, morreram 260 mil pessoas no conflito bélico da Síria, sendo que, nesse mesmo período, 270 mil pessoas foram assassinadas no Brasil. Nos 20 anos da guerra do Vietnã (1955-1975) foram registradas 1,1 milhão de pessoas mortas devido ao conflito. Entre 1995 e 2015, no Brasil – mesmo intervalo de tempo –, foram registrados 1,2 milhão de assassinatos (Schwarcz, 2019). Não é preciso dizer que esses assassinatos têm território e cor. Concentram-se nas favelas e periferias das cidades brasileiras, ocupadas, sobretudo, por negros e negras. De fato, o Atlas de Violência de 2018 registra que, em 2017, a taxa de homicídios de negros no Brasil foi de 40,2 por 100 mil e a de não negros, de 16 por 100 mil, configurando uma situação na qual jovens negros têm 2,71 vezes mais probabilidades de serem assassinados do que jovens não negros. E, entre as jovens negras, as chances de serem assassinadas é 2,19 vezes maior do que entre as não negras (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada [IPEA], 2018). O Instituto da Mulher Negra (2017). Ainda complementa essas informações com a denúncia de que, entre 2006 e 2016, o número de vítimas de feminicídio entre as mulheres brancas caiu 2,1% e entre as mulheres negras aumentou 35%.

A sociedade brasileira é atravessada por violências, preconceitos e autoritarismos, materializados em índices de morte e desigualdades sociais que se assemelham a um país em guerra. Os componentes capitais desses índices, invariavelmente, são as populações LGBTI (particularmente transexuais), pobres, indígenas, negros, mulheres, entre outros, que configuram as denominadas minorias sociais. O autoritarismo, a violência e os preconceitos vêm assumindo materialidade explícita como política do Estado (em seus diferentes níveis de governo), e sendo apoiados por ampla parcela da população. Tais ocorrências não se iniciam recentemente, mas têm matrizes históricas não devidamente elaboradas pela sociedade brasileira, atuando, dessa maneira, nas suas intersubjetividades.

A questão é essa violência brutal que atinge massivamente a população considerada minoria, seria apenas o reflexo de uma sociedade que já não se escandaliza e não se perplexa mais com a violência? Ou simplesmente é uma politica de higienização social que esta em marcha para excluir essa massa de “indigentes sociais” que apenas atrasa e retira e estética de cidades bonitas que as sociedades contemporâneas tanto desejam?


A única certeza que temos é que a violência ficou tão comum, seja nas ruas de forma pratica, seja nos meios de comunicação, que colocou em marcha a sua espetacularização seja na politica ou em qualquer outro âmbito da sociedade que a violência se tornou algo banal e que não incomoda mais quase ninguém, pois a cada dia são apenas mais umas Ágathas, Sheilas, Amarildos ou Joãos, Raimundos, Antonios, ou qualquer cidadão ou cidadã brasileiro e brasileira considerados de segunda, terceira, quarta, quinta ou ate mesmo sem classe que perde sua e se torna apenas mais um ou uma, ou mesmo nenhum, pois até mesmo a notificação de crimes é excludente.

Até quando vamos viver e conviver nesse estado de banalização da violência e violência banalizada, seja ela violência simbólica ou mesmo física. Até quando brasileiro e brasileiro serão tratados apenas como mais um numero que a se foi?

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